O
populismo econômico — ou a política econômica populista — pode ser
caracterizado como sendo um programa de governo que recorre a uma maciça
intervenção do estado em vários setores
da economia, incentiva o consumismo (ao mesmo tempo em que desestimula
os investimentos de longo prazo), e incorre em déficits no
orçamento do governo.
Além
de se tratar de um modelo insustentável no longo prazo, o populismo econômico
possui vários estágios entre sua adoção e seu inevitável fracasso. A última década de extremo populismo na
Argentina e na Venezuela [Nota do editor: e, em menor grau, no Brasil, como
será demonstrado mais abaixo] pode ser descrita como tendo seguido exatamente
este padrão.
Após
observarem a experiência populista em vários países da América Latina, os
economistas Rudiger Dornbusch e Sebastián Edwards identificaram em seu artigo "Macroeconomic Populism" (1990) quatro estágios universais
inerentes ao populismo. Ainda que o
populismo possa apresentar uma grande variedade de políticas, certas
características parecem estar presentes na maioria dos casos.
O
populismo normalmente estimula uma mobilização social em prol do governo, faz
uso maciço da propaganda glorificando determinados políticos, utiliza símbolos
e práticas de marketing para incitar os sentimentos dos eleitores, e recorre
frequentemente a uma retórica que apela à luta de classes. O populismo é especialmente voltado para
aqueles que têm uma renda baixa, ao passo que, paradoxalmente, as elites que
controlam o partido dominante não explicam a fonte da milionária renda do seu
líder. Governantes populistas têm
facilidade em utilizar bodes expiatórios e em recorrer a teorias conspiratórias
para explicar por que o país está passando por dificuldades, ao mesmo tempo em
que se apresentam à população como os salvadores da nação. Para alguns, o populismo está associado à
esquerda e a movimentos socialistas; para outros, à direita e a políticas
fascistas.
Os
quatro estágios do populismo, identificados por Dornbusch e Edwards, são:
Estágio I
O
populista é eleito e faz um diagnóstico sobre tudo o que está ruim na
economia. Ato contínuo, ele implanta
políticas voltadas para atacar os sintomas e não para curar a doença. Há
aumento dos gastos, há inchaço da máquina pública e há incentivos ao
consumismo (mas não ao investimento de longo prazo). Nos primeiros anos
de governo, as políticas
aparentemente funcionam. A política
macroeconômica mostra bons resultados, como um PIB crescente, uma
redução no
desemprego, um aumento real nos salários etc.
Como
a economia está partindo de uma base baixa, há o chamado "hiato do produto",
que é a diferença entre o PIB efetivo e o PIB potencial. Isso permite que estímulos econômicos
artificiais gerem um crescimento econômico grande no curto prazo e sem pressões
inflacionárias. Adicionalmente, o
governo paga pelas importações utilizando as reservas do banco central
(artifício esse favorito de Venezuela e Argentina) e impõe regulamentações para
controlar alguns preços (uma política de congelamento de preços é aplicada em
simultâneo a uma política de subsídios para grandes empresas).
Tudo isso faz com que a inflação de
preços fique relativamente sob controle.
Estágio II
Alguns
gargalos começam a aparecer, pois as políticas populistas enfatizaram o
consumismo e se esqueceram do investimento (mesmo porque os populistas tendem a
demonizar empresários capitalistas).
Como
consequência, o estoque de capital do país está sendo consumido mas não está
sendo reposto. A produtividade cai.
Adicionalmente,
as reservas internacionais utilizadas para pagar pela importação de produtos
básicos também começam a cair.
Um
aumento nos preços de vários bens — até então controlados — se torna
imperativo, pois os produtos estavam se tornando escassos. Esse aumento geral de preços, o que equivale
a uma redução no poder de compra da moeda e a um aumento do custo de vida,
frequentemente leva a uma desvalorização na taxa de câmbio. Os preços dos serviços de utilidades públicas
(eletricidade, tarifas de ônibus etc.) e da gasolina, controlados pelo governo,
também começam a subir, pois o governo necessita de mais receitas.
Tal
cenário leva a uma fuga de capitais, a qual é momentaneamente estancada pela
imposição de controle de capitais. Investidores estrangeiros fogem do país, o que
reduz ainda mais os investimentos produtivos.
O
governo tenta controlar seu orçamento e seus déficits, mas fracassa. Dado que o custo dos prometidos subsídios à
eletricidade, à gasolina e a algumas grandes empresas (as favoritas do governo)
aumenta continuamente apenas para compensar o aumento do custo de vida, os
déficits do governo aumentam. Novos
impostos são criados e alíquotas são majoradas.
A economia informal começa a crescer.
Nesse
ponto, reformas fiscais se tornam necessárias, mas são evitadas pelo governo
populista, pois elas vão contra toda a retórica do governo e toda a sua base de
apoio.
Estágio III
Desabastecimentos
e vários problemas relacionados à escassez se tornam significativos. Dado que a taxa nominal de câmbio não foi
desvalorizada no mesmo ritmo da inflação de preços, há uma saída contínua de
capitais (as reservas internacionais caem ainda mais). No extremo, a alta inflação de preços empurra
a economia para uma desmonetização. A
moeda local é utilizada apenas para transações domésticas. Os cidadãos passam a poupar em dólares americanos.
A
queda na atividade econômica afeta as receitas tributárias do governo, piorando
ainda mais os déficits orçamentários. O governo tem de cortar
subsídios.
Para
estancar a perda de reservas internacionais, uma nova desvalorização da taxa de
câmbio é feita. O custo de vida dispara,
a renda real dos cidadãos despenca, e sinais de instabilidade política e social
surgem diariamente.
[Nota
do editor: neste ponto, saques a comércios e residências se tornam comuns, como
na Argentina. Na Venezuela, a
distribuição de alimentos foi colocada sob supervisão militar.]
O
fracasso do projeto populista se torna evidente.
Estágio IV
Um
novo governo é eleito (ou o próprio governo é reeleito) e é obrigado a fazer
ajustes "ortodoxos", possivelmente sob a supervisão do FMI ou de organizações
internacionais que forneçam os fundos necessários para fazer as reformas
econômicas (isso ocorre majoritariamente quando o país precisa de recompor suas
reservas internacionais).
Como
o estoque de capital
do país foi consumido e destruído, sem ser reposto, os salários reais caem para
níveis abaixo daqueles que vigoravam antes do início das políticas
populistas. O novo governo "ortodoxo"
tem então de recolher os farrapos que restaram e tentar cobrir os custos das
políticas fracassadas feitas pelo regime anterior. Isso normalmente implica políticas de
austeridade, altamente impopulares.
Os
populistas se foram, mas os estragos de suas políticas continuam totalmente
presentes.
O populismo econômico segue firme e forte
Embora
Dornbusch e Edwards tenham escrito seu artigo em 1990, as similaridades com o
que ocorre hoje em países como Venezuela, Argentina e Bolívia [Nota do editor:
e, em menor escala, no Brasil] são notáveis.
Nos
últimos anos, para manter as ideias populistas firmes na mente dos eleitores, a
Venezuela criou o Ministério
da Suprema Felicidade Social e a Argentina criou uma Secretária
do Pensamento Nacional.
Esses
quatro estágios são, na realidade, cíclicos.
O movimento populista utiliza o quarto estágio para criticar as
políticas "ortodoxas" adotadas pelo novo governo (que pode apenas ser o mesmo
governo reeleito, mas com novos ministros), e argumenta que, durante o reinado
dos populistas, as coisas estavam melhores.
Dado
que as políticas ortodoxas quase sempre se baseiam exclusivamente no aumento de
impostos, as coisas dificilmente melhoram.
A renda real segue em queda e a economia segue em contração. Consequentemente, a opinião
pública, descontente com as medidas adotadas no estágio IV, concede ao
movimento populista uma vitória nas próximas eleições. Os populistas recebem uma economia em
recessão e o ciclo recomeça do estágio I.
Não
é de se surpreender que governos populistas normalmente surjam após tempos
difíceis causados por crises econômicas.
Um governo populista mais ousado pode conseguir evitar o estágio IV
descobrindo novas maneiras de permanecer no governo, como, por exemplo,
proibindo eleições ou criando resultados eleitorais falsos.
Nesse
ponto, o governo populista consegue transformar o país em uma nação totalmente
autoritária.
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