O
marxismo afirma que a forma de pensar de uma pessoa é determinada pela classe a
que pertence. Toda classe social tem sua lógica própria. Logo, o produto do pensamento de um
determinado indivíduo não pode ser nada além de um "disfarce ideológico" dos
interesses egoístas da classe à qual ele pertence. A tarefa de uma "sociologia do conhecimento",
segundo os marxistas, é desmascarar filosofias e teorias científicas e expor o
seu vazio "ideológico". A economia seria
um expediente "burguês" e os economistas são sicofantas do capital. Somente a sociedade sem classes da utopia
socialista substituirá as mentiras "ideológicas" pela verdade.
Este
polilogismo, posteriormente, assumiu várias outras formas. O historicismo
afirma que a estrutura lógica da ação e do pensamento humano está sujeita a
mudanças no curso da evolução histórica. O polilogismo racial atribui a cada
raça uma lógica própria.
O
polilogismo, portanto, é a crença de que há uma multiplicidade de
irreconciliáveis formas de lógica dentro da população humana, e estas formas
estão subdivididas em algumas características grupais.
Os
nazistas fizeram amplo uso do polilogismo.
Mas os nazistas não inventaram o polilogismo. Eles apenas criaram seu próprio estilo de
polilogismo.
Até
a metade do século XIX, ninguém se atrevia a questionar o fato de que a
estrutura lógica da mente era imutável e comum a todos os seres humanos. Todas as interrelações humanas são baseadas nesta
premissa de que há uma estrutura lógica uniforme. Podemos dialogar uns com os outros apenas
porque podemos recorrer a algo em comum a todos nós: a estrutura lógica da
razão.
Alguns
homens têm a capacidade de pensar de forma mais profunda e refinada do que
outros. Há homens que infelizmente não
conseguem compreender um processo de inferência em cadeias lógicas de
pensamento dedutivo. Mas,
considerando-se que um homem seja capaz de pensar e trilhar um processo de
pensamento discursivo, ele sempre aderirá aos mesmos princípios fundamentais de
raciocínio que são utilizados por todos os outros homens. Há pessoas que não conseguem contar além de
três; mas sua contagem, até onde ele consegue ir, não difere da contagem de
Gauss ou de Laplace. Nenhum historiador ou viajante jamais nos trouxe nenhuma
informação sobre povos para quem A e não-A fossem idênticos, ou sobre povos que
não conseguissem perceber a diferença entre afirmação e negação. Diariamente, é verdade, as pessoas violam os
princípios lógicos da razão. Mas qualquer um que se puser a examinar suas deduções
de forma competente será capaz de descobrir seus erros.
Uma
vez que todos consideram tais fatos inquestionáveis, os homens são capazes de entrar
em discussões e argumentações. Eles
conversam entre si, escrevem cartas e livros, tentam provar ou refutar. A cooperação social e intelectual entre os
homens seria impossível se a realidade não fosse essa. Nossas mentes
simplesmente não são capazes de imaginar um mundo povoado por homens com
estruturas lógicas distintas ente si ou com estruturas lógicas diferentes da
nossa.
Mesmo
assim, durante o século XIX, este fato inquestionável foi contestado. Marx e os marxistas, entre eles o
"filósofo proletário" Dietzgen, ensinaram que o pensamento é
determinado pela classe social do pensador. O que o pensamento produz não é a verdade, mas
apenas "ideologias". Esta
palavra significa, no contexto da filosofia marxista, um disfarce dos
interesses egoístas da classe social à qual pertence o pensador. Por conseguinte, seria inútil discutir
qualquer coisa com pessoas de outra classe social. Não seria necessário refutar ideologias por
meio do raciocínio discursivo; ideologias devem apenas ser desmascaradas,
denunciando a classe e a origem social de seus autores. Assim, os marxistas não
discutem os méritos das teorias científicas; eles simplesmente revelam a origem
"burguesa" dos cientistas.
Os
marxistas se refugiam no polilogismo porque não conseguem refutar com métodos
lógicos as teorias desenvolvidas pela ciência econômica "burguesa";
tampouco conseguem responder às inferências derivadas destas teorias, como as
que demonstram a
impraticabilidade do socialismo. Dado que não conseguiram demonstrar
racionalmente a validade de suas idéias e nem a invalidade das idéias de seus
adversários, eles simplesmente passaram a condenar os métodos lógicos. O sucesso deste estratagema marxista foi sem
precedentes. Ele tornou-se uma blindagem
contra qualquer crítica racional à pseudo-economia e à pseudo-sociologia
marxistas. Ele fez com que todas as
críticas racionais ao marxismo fossem inócuas.
Foi
justamente por causa dos truques do polilogismo que o estatismo conseguiu
ganhar força no pensamento moderno.
O
polilogismo é tão inerentemente ridículo, que é impossível levá-lo consistentemente
às suas últimas consequências lógicas. Nenhum marxista foi corajoso o
suficiente para derivar todas as conclusões que seu ponto de vista
epistemológico exige. O princípio do
polilogismo levaria à inferência de que os ensinamentos marxistas também não
são objetivamente verdadeiros, mas sim apenas afirmações
"ideológicas". Mas isso os
marxistas negam. Eles reivindicam para
suas próprias doutrinas o caráter de verdade absoluta.
Dietzgen
ensina que "as idéias da lógica proletária não são idéias partidárias, mas
sim o resultado da mais pura e simples lógica". A lógica proletária não é
"ideologia", mas sim lógica absoluta. Os atuais marxistas, que rotulam seus
ensinamentos de sociologia do conhecimento, dão provas de sofrerem
desta mesma inconsistência. Um de seus
defensores, o professor Mannheim, procura demonstrar que há certos homens, os
"intelectuais não-engajados", que possuem o dom de apreender a
verdade sem serem vítimas de erros ideológicos. Claro, o professor Mannheim está convencido de
que ele mesmo é o maior dos "intelectuais não-engajados". Você simplesmente não pode refutá-lo. Se você
discorda dele, você estará apenas provando que não pertence à elite dos
"intelectuais não-engajados", e que seus pensamentos são meras tolices
ideológicas.
Os
nacional-socialistas alemães tiveram de enfrentar o mesmo problema dos
marxistas. Eles também não foram capazes
nem de demonstrar a veracidade de suas próprias declarações e nem de refutar as
teorias da economia e da praxeologia. Consequentemente, eles foram buscar abrigo no
polilogismo, já preparado para eles pelos marxistas. Sim, eles criaram sua própria marca de
polilogismo. A estrutura lógica da
mente, diziam eles, é diferente para cada nação e para cada raça. Cada raça ou nação possui sua própria lógica
e, portanto, sua própria economia, matemática, física etc. Porém, não menos inconsistente do que o
Professor Mannheim, o professor Tirala, seu congênere defensor da epistemologia
ariana, declara que a única lógica e ciência verdadeiras, corretas e perenes
são as arianas. Aos olhos dos marxistas,
Ricardo, Freud, Bergson e Einstein estão errados porque são burgueses; aos
olhos dos nazistas, estão errados porque são judeus. Um dos maiores objetivos dos nazistas é
libertar a alma ariana da poluição das filosofias ocidentais de Descartes, Hume
e John Stuart Mill. Eles estão em busca
da ciência alemã arteigen, ou seja, da ciência adequada às
características raciais dos alemães.
Como
hipótese, podemos supor que as capacidades mentais do homem sejam resultado de
suas características corporais. Sim, não
podemos demonstrar a veracidade desta hipótese, mas também não é possível
demonstrar a veracidade da hipótese oposta, conforme expressada pela hipótese teológica.
Somos forçados a admitir que não sabemos
como os pensamentos surgem dos processos fisiológicos. Temos vagas noções dos
danos causados por traumatismos ou por outras lesões infligidas em certos
órgãos do copo; sabemos que tais danos podem restringir ou destruir por
completo as capacidades e funções mentais dos homens. Mas isso é tudo. Seria uma enorme insolência afirmar que as
ciências naturais nos fornecem informações a respeito da suposta diversidade da
estrutura lógica da mente. O polilogismo
não pode ser derivado da fisiologia ou da anatomia, e nem de nenhuma outra
ciência natural.
Nem
o polilogismo marxista e nem o nazista conseguiram ir além de declarar que a
estrutura lógica da mente é diferente entre as várias classes ou raças. Eles nunca se atreveram a demonstrar
precisamente no quê a lógica do proletariado difere da lógica da burguesia, ou
no quê a lógica ariana difere da lógica dos judeus ou dos ingleses. Rejeitar a teoria das vantagens comparativas
de Ricardo ou a teoria da relatividade de Einstein por causa das origens
raciais de seus autores é inócuo. Primeiro,
seria necessário desenvolver um sistema de lógica ariana que fosse diferente da
lógica não-ariana. Depois, seria
necessário examinar, ponto por ponto, estas duas teorias concorrentes, e
mostrar onde, em cada raciocínio, são feitas inferências que são inválidas do ponto
de vista da lógica ariana mas corretas do ponto de vista não-ariano. E, finalmente, seria necessário explicar a que
tipo de conclusão a substituição das erradas inferências não-arianas pelas
corretas inferências arianas deve chegar.
Mas isso jamais foi e jamais será tentado por ninguém. Aquele gárrulo defensor do racismo e do
polilogismo ariano, o professor Tirala, não diz uma palavra sobre a diferença
entre a lógica ariana e a lógica não-ariana. O polilogismo, seja ele marxista
ou nazista, jamais entrou em detalhes.
O
polilogismo possui um método peculiar de lidar com opiniões divergentes. Se seus defensores não forem capazes de descobrir
as origens e o histórico de um oponente, eles simplesmente taxam-no de traidor.
Tanto marxistas quanto nazistas conhecem
apenas duas categorias de adversários. Os
alienados — sejam eles membros de uma classe não-proletária ou de uma raça
não-ariana — estão errados porque são alienados. E os opositores que são de origem proletária
ou ariana estão errados porque são traidores.
Assim, eles levianamente descartam o incômodo fato de que há divergências
entre os membros daquela que dizem ser sua classe ou sua raça.
Os
nazistas gostam de contrastar a economia alemã com as economias judaicas e
anglo-saxônicas. Mas o que chamam de
economia alemã não difere em nada de algumas tendências observadas em outras
economias. A economia
nacional-socialista foi moldada tendo por base os ensinamentos do genovês
Sismondi e dos socialistas franceses e ingleses. Alguns dos mais velhos
representantes desta suposta economia alemã apenas importaram idéias
estrangeiras para a Alemanha. Frederick
List trouxe as idéias de Alexander Hamilton à Alemanha; Hildebrand e Brentano
trouxeram as idéias dos primeiros socialistas ingleses. A economia alemã arteigen é
praticamente igual às tendências contemporâneas observadas em outros países,
como, por exemplo, o institucionalismo americano.
Por
outro lado, o que os nazistas chamam de economia ocidental — e,
portanto, artfremd [estranho à raça] — é em grande medida uma
conquista de homens a quem que nem mesmo os nazistas podem negar o termo 'alemão'.
Os economistas nazistas gastaram muito
tempo pesquisando a árvore genealógica de Carl Menger à procura de antepassados
judeus; não conseguiram. É um
despautério querer explicar o conflito que há entre a genuína teoria econômica
e o institucionalismo e o empiricismo histórico como se fosse um conflito
racial ou nacional.
O
polilogismo não é uma filosofia ou uma teoria epistemológica. É apenas
uma postura de fanáticos de
mentalidade estreita que não conseguem conceber que haja pessoas mais
sensatas
ou mais inteligentes que eles próprios. Tampouco é o polilogismo algo
científico. Trata-se da substituição da razão e da ciência
pela superstição. É a mentalidade
característica de uma era caótica.
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Artigo extraído do livro Omnipotent Government: The Rise of Total State and Total War,
originalmente publicado em 1944.
Ludwig von Mises
foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de
pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor
prolífico. Os escritos e palestras de
Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.
Suas contribuições à teoria econômica incluem
elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos
ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e
uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é
incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que
a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que
Mises chamou de "praxeologia".
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