Os Bolcheviques acreditavam na imediata imposição do
socialismo por meios violentos, com confisco armado das propriedades, das
fábricas, e das fazendas, e o assassinato dos burgueses e reacionários que
porventura oferecessem resistência.
Já os Mencheviques (que também se auto-rotulavam
social-democratas) defendiam uma abordagem mais gradual, não-violenta e não-revolucionária
para o mesmo objetivo. Para estes, a
liberdade e a propriedade deveriam ser abolidas pelo voto da maioria.
Os Bolcheviques venceram a Revolução Russa e
implantaram o terror. No entanto, após cometerem crimes inimagináveis,
eles praticamente desapareceram do cenário.
Já os Mencheviques, no entanto, não apenas seguem vivos como também se
fortaleceram e se expandiram, e estão no poder de boa parte dos países democráticos.
Os mencheviques modernos seguem, em sua essência, as
mesmas táticas dos Mencheviques russos: em vez de abolirem a propriedade
privada e a economia de mercado, como queriam os Bolcheviques, os atuais
mencheviques entenderam ser muito melhor um arranjo em que a propriedade
privada e o sistema de preços são mantidos, mas o estado mantém os capitalistas
e uma truncada economia de mercado sob total controle, regulando, tributando,
restringindo e submetendo todos os empreendedores às ordens do estado.
Para os mencheviques atuais, tradições burguesas
como propriedade privada e economia de mercado devem ser toleradas, mas a
economia
tem de ser rigidamente regulada e tributada. Políticas
redistributivistas são inegociáveis. Uma fatia da renda dos indivíduos
produtivos
da sociedade deve ser confiscada e redistribuída para os
não-produtivos. Grandes empresários devem ser submissos aos
interesses do regime e, em troca, devem ser beneficiados por subsídios e
políticas
industriais, e também protegidos por tarifas protecionistas.
Acima de tudo, cabe aos burocratas do governo — os próprios
mencheviques — intervir no mercado para redistribuir toda a riqueza e manter a
economia funcionando de acordo com seus desígnios.
No entanto, a estratégia menchevique não se resume à
economia. A questão cultural é tão ou
mais importante. Para os mencheviques
atuais, a cultura burguesa deve ser substituída por uma nova mentalidade condicionada
ao modo de pensar social-democrata, e a estratégia para isso consiste na imposição
lenta e gradual de uma revolução cultural.
Os mencheviques, fiéis ao seu ideal
"democrático", sempre se sentiram desconfortáveis com a ideia de
revolução, preferindo muito mais a "evolução" gradual produzida pelas
eleições democráticas. O estado deve ser totalmente aparelhado por
intelectuais partidários e simpatizantes, de modo a garantir uma tomada hegemônica
das instituições culturais e sociais do país. Daí a desconsideração pelos
gulags e pela revolução armada.
Como
tudo começou
As raízes do menchevismo atual não estão na Rússia
de Lênin, mas sim na Londres de 1883, quando um grupo de socialistas adeptos do
gradualismo fundou a Sociedade
Fabiana. Liderada por um cidadão chamado
Hubert Bland, os mais
famosos membros da sociedade eram o dramaturgo George Bernard Shaw,
os autores Sidney
e Beatrice Webb, e o
artista William Morris.
A Sociedade Fabiana tem este nome em homenagem a Quintus Fabius
Maximus, político, ditador e general da República Romana (275-203 a.C.)
que conseguiu derrotar Aníbal
na Segunda
Guerra Púnica adotando a estratégia de não fazer confrontos diretos e em
larga escala (nos quais os romanos haviam sido derrotados contra Aníbal), mas
sim de incorrer apenas em pequenas e graduais ações, as quais ele sabia que
podia vencer, não importa o tanto que ele tivesse de esperar.
Em suma, Quintus Fabius Maximus era um estrategista
militar que evitava qualquer confrontação aberta e decisiva; em vez disso, ele
preferia fatigar seus oponentes com táticas procrastinadoras e cansativas,
manobras enganadoras e assédios contínuos.
Fundada exatamente no ano da morte de Marx com o
intuito de promover as idéias do filósofo alemão por meio do gradualismo, a Sociedade
Fabiana almejava "condicionar" a sociedade, como disse a fabiana Margaret Cole, por meio
de medidas socialistas disfarçadas. Ao atenuar e minimizar seus objetivos, a
Sociedade Fabiana tinha o intuito de não incitar os inimigos do socialismo, tornando-os
menos combativos.
Ao contrário dos revolucionários marxistas, os
socialistas fabianos conheciam muito bem o funcionamento das políticas
públicas
britânicas. Sendo os especialistas
originais, eles fizeram várias pesquisas, elaboraram planos, publicaram
panfletos e livros, e criaram várias propostas legislativas, sempre
contando
com a ajuda de aliados nas universidades, igrejas e jornais. Eles
também treinaram oradores, escritores e políticos. Sidney Webb foi além
e fundou a London School
of Economics em 1895 para ser o quartel-general desse trabalho.
Embora a Sociedade Fabiana jamais houvesse tido mais
do que 4.000 membros, foram eles que criaram, promoveram e conduziram pelo
Parlamento a maior parte das políticas sociais britânicas até o início da década
de 1980. O resultado foi uma economia em
frangalhos e uma sociedade esclerosada, situação esta que só começou a ser
revertida quando Margaret Thatcher começou a "desfabianizar" a Inglaterra.
Os fabianos foram bem-sucedidos em seu objetivo de
criar um "estado provedor", um estado assistencialista que cuidaria não apenas
dos pobres, mas também da classe média, do berço ao túmulo.
Seja na forma de compensações trabalhistas, ou de pensões
e aposentadorias, seguro-desemprego e medicina socializada, os fabianos sempre
enfatizaram a "reforma social". Segundo o
escritor John T. Flynn, os fabianos
Perceberam prematuramente o imenso valor das reformas sociais em acostumar os cidadãos a ver o estado como a ferramenta para curar todas as suas doenças e inquietudes. Eles viram que uma agitação em prol de um estado assistencialista poderia se tornar o veículo ideal para incutir idéias socialistas nas mentes do cidadão comum.
Outra inovação fabiana: reformas sociais invariavelmente
envolviam algum tipo de "seguridade". As
pessoas seriam induzidas a aceitar o socialismo caso este fosse apresentado por
meio de modelos oriundos das ciências atuariais, tendo empresas de seguro como base.
Empresas de seguro genuínas, baseando-se em estatísticas
de distribuição aleatória de acidentes, coletam dinheiro de seus segurados na
forma de um consórcio e concentram-no em um fundo, desta forma tornando o mundo
menos incerto para seus membros. Os fabianos,
muito espertamente, pegaram esse modelo e disseram: concentremos a riqueza de
todos nas mãos do estado e seremos felizes, saudáveis e teremos uma vida melhor.
Aneurin
Bevan, o ministro da saúde fabiano do governo trabalhista dos pós-guerra,
que criou o National
Health Service — o sistema estatal de saúde britânico (veja algumas
notícias recentes da saúde britânica estatal aqui,
aqui,
aqui
e aqui) —, chegou realmente a argumentar que tal modelo iria
drasticamente aumentar a expectativa de vida de todos, chegando ao ponto de
postergar a morte indefinidamente.
Mas a verdadeira visão fabiana do estado foi mais
bem explicitada no livro de Sidney e Beatrice Webb intitulado Soviet
Communism: A New Civilization?, publicado em 1935 (o ponto de interrogação
foi removido do título após a primeira edição).
O livro glorificava a URSS de Stalin como se fosse virtualmente um
paraíso na terra.
Como marxistas, embora de uma outra estirpe, os
Webbs aprovavam o stalinismo — se não os meios, os fins. "Os fabianos eram, de uma certa forma,
marxistas mais bem treinados do que o próprio Marx", disse
Joseph Schumpeter. Que continuou:
Concentrar-se nos problemas que podem ser alterados por métodos políticos práticos, adaptar-se à evolução das questões sociais, e deixar o objetivo supremo ser alcançado automaticamente [por meio da alteração cultural das massas] é algo que está muito mais de acordo com a doutrina fundamental de Marx do que a ideologia revolucionária que ele próprio propôs.
Conclusão
No linguajar fabiano, impostos são "contribuições",
gastos do governo são "investimentos", criticar o governo é "entreguismo" ou "falta
de patriotismo", donos de propriedades são "elites", "reacionários" e "privilegiados",
e "mudança" significa " socialismo".
Quando os atuais social-democratas pedem "sacrifícios"
da população em prol dos "ajustes" do governo, tenha em mente que os fabianos
diziam exatamente o mesmo, defendendo, segundo as
próprias palavras de Beatrice Webb, a "transferência" da "emoção do serviço
sacrificante" de Deus para o estado.
Para os fabianos, o estado (seus burocratas e toda a
sua mentalidade) é o único deus por quem a população deve se sacrificar.
Por fim, vale ressaltar que o desaparecimento dos
bolcheviques nunca foi lamentado pelos social-democratas fabianos. Muito
pelo contrário: os social-democratas fabianos agora detêm o monopólio da marcha
"progressista" da história rumo à Utopia.
A janela de vidro pintada que adorna a casa de
Beatrice Webb em Surrey, Inglaterra, mostra
George Bernard Shaw e Sidney Webb remodelando o mundo com uma bigorna,
tendo ao fundo o brasão
da Sociedade Fabiana: um lobo em pele de cordeiro. Aquele lobo está hoje entre nós.
Lew Rockwell é o chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.
Tradução de Leandro Roque
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