Original adaptado de The Intelligent Woman’s Guide to Conservatism (New York: The Devin-Adair Company, 1957)
Uma
amiga minha, a quem chamaremos senhorita Worth, teve uma conversa com
uma vizinha – senhora Williams, digamos – que, no dia anterior, havia
vendido um belo prédio antigo, há muito tempo pertencente à sua família,
o qual seria demolido para que muitos automóveis usados fossem postos a
venda no lugar. A senhora Williams tinha certos arrependimentos; mas,
disse ela em caráter definitivo, “você não pode parar o progresso”.
Ela ficou surpresa com a resposta da senhorita Worth, que foi esta:
“Não, muitas vezes não; mas você pode tentar”.
A
Senhorita Worth não acreditava que o Progresso, com P maiúsculo, é uma
coisa boa em si mesma. O Progresso pode ser bom ou mau, dependendo da
direção a qual se está progredindo. É perfeitamente possível, e não
raramente ocorre, de se progredir em direção à beira de um precipício. O
pensamento conservador, jovem ou antigo, acredita que todos nós devemos
obedecer à lei universal da mudança; mas muitas vezes está em nosso
poder escolher quais mudanças aceitaremos e quais mudanças rejeitaremos.
O conservador é uma pessoa que se esforça para conservar o que há de
melhor em nossas tradições e em nossas instituições, conciliando o que é
melhor com a reforma necessária de tempos em tempos.
“Conservar” significa “salvar”. ...[Considere] a maldição do cupido:
“Aqueles que trocam o amor antigo pelo novo,
oram aos deuses para que eles o mudem para pior.”
Um
conservador não é, por definição, um egoísta ou uma pessoa estúpida; em
vez disso, ele é uma pessoa que acredita que há alguma coisa em nossa
vida que vale a pena salvar. Conservadorismo, na verdade, é uma palavra
com um significado antigo e honrado – mas, um significado quase
esquecido pelos americanos até anos recentes. Abraham Lincoln queria ser
conhecido como um conservador. “O que é o conservadorismo?”, disse ele.
“Não é a preferência pelo antigo e experimentado, acima do novo e do
não testado?” É isso; e é também um corpo de convicções éticas e
sociais. Porém, a palavra “liberalismo” tem sido preferida entre nós por
duas ou três décadas. Mesmo hoje em dia, embora haja um bom número de
conservadores nas políticas nacional e estadual, em nenhum grande
partido muitos líderes políticos descrevem a si mesmos como
“conservadores”. Paradoxalmente, o povo dos Estados Unidos se tornou a
principal nação conservadora do mundo exatamente quando deixou de chamar
a si mesmo de conservador em seu próprio país.
No
entanto, com nossa severa oposição ao radicalismo dos soviéticos e
nosso repúdio nacional do coletivismo em todas as suas variedades, um
bom número de americanos agora têm muitas dúvidas quanto ao desejo de
ser chamados liberais ou radicais. Os liberais, por um bom tempo, foram
derivando para a esquerda em direção a seus primos radicais; e o
liberalismo, nos últimos anos, passou a significar um anexo para o
Estado centralizado e para a impessoalidade sombria de Brave New World,
de Huxley, ou de 1984, de Orwell. Homens e mulheres que não
se consideram liberais ou radicais estão começando a perguntar a si
mesmos no que acreditam e do que deveriam se chamar. O sistema de ideias
opostas ao liberalismo e ao radicalismo é a filosofia política
conservadora.
O que é o Conservadorismo?
O
conservadorismo moderno tomou forma por volta do início da Revolução
Francesa, quando homens de grande visão na Inglaterra e na América
perceberam que, se a humanidade existe para conservação dos elementos da
civilização que tornam a vida digna de ser vivida, algum corpo coerente
de ideias deve resistir ao nivelamento e ao impulso destrutivo
de revolucionários fanáticos. Na Inglaterra, o fundador do verdadeiro
conservadorismo foi Edmund Burke, cujas Reflections on the Revolution in France
mudaram o rumo da opinião pública britânica e influenciaram
incalculáveis líderes da sociedade no Continente e na América.
Nos recém-criados Estados Unidos, os fundadores da República,
conservadores por formação e por experiência prática, estavam
determinados a moldar a constituição que deveria guiar a sua posteridade
em caminhos duradouros de justiça e liberdade. Nossa Guerra de
Independência Americana não foi uma revolução real, mas antes uma
separação da Inglaterra; estadistas de Massachusetts e da Virgínia não
desejavam virar a sociedade de cabeça para baixo. Em seus escritos,
sobretudo nos trabalhos de John Adams, Alexander Hamilton e James
Madison, nós encontramos um conservadorismo sóbrio e provado, fundado
sobre uma compreensão da história e da natureza humana. A Constituição
que os líderes daquela geração elaboraram tem provado ser o dispositivo
conservador mais bem sucedido em toda a história.
Os
líderes conservadores, desde Burke e Adams, subscreveram certas ideias
que podemos demonstrar, resumidamente, mediante definição. Os
conservadores desconfiam do que Burke chamou “abstrações” - isto é,
absolutos dogmas políticos divorciados da experiência prática e das
circunstâncias particulares. Eles acreditam, todavia, na existência de
certas verdades permanentes que regem a conduta da sociedade humana.
Talvez, os princípios mais importantes que têm caracterizado o
pensamento conservador americano são estes:
1. Homens e nações são governados por leis morais; e essas leis têm a sua origem em uma sabedoria superior a humana – na justiça divina.
No fundo, problemas políticos são problemas morais e religiosos. O
estadista sábio procura apreender a lei moral e reger sua conduta
adequadamente. Nós temos uma dívida moral para com nossos antepassados,
que nos concederam nossa civilização, e um dever moral para as gerações
que virão depois de nós. Esta dívida foi ordenada por Deus. Portanto,
não temos o direito de, impudentemente, mexer com a natureza humana ou
com tecido delicado de nossa ordem social civil.
2. Variedade e diversidade são as características de uma grande civilização.
Uniformidade e igualdade absoluta são a morte de todo verdadeiro vigor e
liberdade na existência. Conservadores resistem, com imparcial
virilidade, à uniformidade de um tirano ou de uma oligarquia e à
uniformidade a qual Tocqueville chamou “despotismo democrático”.
3. Justiça
significa que todo homem e toda mulher têm direito ao que lhes é
próprio – às coisas que melhor se adaptam à sua própria natureza, às
recompensas de sua capacidade e integridade, à sua propriedade e à sua
personalidade. A sociedade civilizada requer que todos os homens e
mulheres tenham direitos iguais diante da lei, mas essa igualdade não
deve se estender à igualdade de condição: isto é, a sociedade é uma
grande associação, na qual todos têm direitos iguais – mas não para
igualar coisas. A sociedade justa requer liderança sólida, recompensas
diferentes para habilidades diferentes e um senso de respeito e dever.
4. Propriedade e liberdade são inseparavelmente conectadas; nivelamento econômico não é progresso econômico.
Os conservadores valorizam a propriedade para seu próprio interesse, é
claro; mas a valorizam muito mais porque, sem ela, todos os homens e
mulheres estão a mercê de um governo onipotente.
5. O
poder é repleto de perigos; portanto, o bom estado é aquele no qual o
poder é controlado e equilibrado, restringido por constituições e
costumes sólidos. Na medida do possível, o poder político deve ser
mantido nas mãos de instituições privadas e locais. A centralização é
normalmente um sinal de decadência social.
6. O passado é um grande depósito de sabedoria;
como Burke disse, “o indivíduo é tolo, mas a espécie é sábia.” Os
conservadores acreditam que precisamos nos guiar pelas tradições morais,
pela experiência social e por todo o complexo corpo de conhecimentos
legados a nós por nossos antepassados. Os apelos conservadores estão
para além da opinião precipitada do momento, pela qual Chesterton os
denominava de “a democracia dos mortos” - isto é, as opiniões
consideradas dos homens e mulheres sábios que morreram antes de nosso
tempo, a experiência da espécie humana. O conservador, em suma, sabe que
não nasceu ontem.
7. A
sociedade moderna necessita urgentemente de uma verdadeira comunidade:
e verdadeira comunidade é um mundo distante do coletivismo. A
comunidade autêntica é regida por amor e caridade, não por força.
Através de igrejas, associações voluntárias, governos locais e uma
variedade de instituições, os conservadores se esforçam para manter
a comunidade saudável. Os conservadores não são egoístas, mas zelosos do
bem-estar público. Eles sabem que o coletivismo significa o fim da
comunidade genuína, e substituem uniformidade por variedade e força por
cooperação voluntária.
8. Nos assuntos das nações, o conservador americano acredita que seu país deve ser um exemplo para o mundo, mas que não deve tentar reconstruir o mundo à sua imagem.
É uma lei da política, bem como da biologia, que todo ser vivente ama,
acima de tudo – até mesmo acima de sua própria vida –, sua identidade
distintiva, que o diferencia de todos os outros seres. O conservador não
aspira à dominação do mundo, nem aprecia a perspectiva de um mundo
reduzido a um padrão único de governo e de civilização.
9. Os conservadores sabem que homens e mulheres não são perfectíveis; e nem o são as instituições políticas.
Nós não podemos criar um paraíso na Terra, embora possamos fazer
um inferno. Somos todos criaturas nas quais bem e mal estão misturados;
e, quando as boas instituições negligenciam e ignoram os antigos
princípios morais, o mal tende a predominar em nós. Por isso, o
conservador suspeita de todos os esquemas utópicos. Ele não acredita
que, pelo poder do direito positivo, nós podemos resolver todos os
problemas da humanidade. Podemos ter a esperança de fazer nosso mundo
tolerável, mas não podemos torná-lo perfeito. Quando o progresso é
alcançado, o é através do reconhecimento prudente das limitações da
natureza humana.
10. Os
conservadores estão convencidos de que mudança e reforma não são
idênticas: inovação política e moral pode ser tanto destrutiva como
benéfica; e se a inovação é empreendida com espírito de presunção e
entusiasmo, provavelmente será desastrosa. Todas as instituições
humanas, em certa medida, se alteram de época para época, pois o lento
processo de mudança é o meio de conservar a sociedade, exatamente como
é, para o corpo humano, o meio de sua renovação. Mas, os conservadores
americanos se esforçam para conciliar o crescimento e as modificações
essenciais para nossa vida com a força de nossas tradições sociais e
morais. Com Lord Falkland, eles dizem: “quando não é necessário mudar, é
necessário não mudar.” Eles entendem que homens e mulheres são mais
satisfeitos quando podem sentir que vivem em um mundo estável de valores
duradouros.
O
conservadorismo, então, não é simplesmente o interesse das pessoas que
têm muitas propriedades e influência; não é simplesmente a defesa de
privilégios e de status. A maioria dos conservadores não são nem ricos
nem poderosos. Mas, eles fazem até mesmo o mais simples deles obter
grandes benefícios de nossa República estabelecida. Eles têm liberdade,
segurança pessoal e de sua casa, igual proteção das leis, o direito aos
frutos de sua indústria e oportunidade para fazer o melhor que neles há.
Eles têm um direito de personalidade em vida e um direito de consolo na
morte. Os princípios conservadores são o abrigo das esperanças de todos
na sociedade. E o conservadorismo é um importante conceito social para
todo aquele que deseja justiça igualitária e liberdade pessoal e todos
os amáveis caminhos antigos da humanidade. O conservadorismo não é
simplesmente uma defesa do “capitalismo”. (“Capitalismo”, na verdade, é
uma palavra cunhada por Karl Marx, projetada desde o início para
significar que a única coisa defendida pelos conservadores é a grande
acumulação de capital privado.) Mas, o que o verdadeiro conservador faz
corajosamente é defender a propriedade privada e uma liberdade
econômica, ambas para seu próprio bem e porque elas são meios para
atingir grandes fins.
Esses
grandes fins são mais do que econômicos e políticos. Eles envolvem
dignidade humana, personalidade humana, felicidade humana. Eles
envolvem até mesmo o relacionamento entre Deus e o homem. Pois o
coletivismo radical de nossa época é ferozmente hostil a qualquer outra
autoridade: o radicalismo moderno detesta a fé religiosa, a
virtude privada, a individualidade tradicional e a vida de satisfações
simples. Tudo o que vale a pena ser conservado está ameaçado em nossa
geração. A mera oposição negativa e irracional à corrente de
acontecimentos, agarrando-se com desespero ao que ainda mantemos, não
será suficiente nesta época. Um conservadorismo de instinto deve ser
reforçado por um conservadorismo de pensamento e imaginação.
Traduzido por José Junio Souza da Costa
Disponível no Russell Kirk Center.
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